terça-feira, 6 de novembro de 2012

Capacete rosa no canteiro de obra

Época, Thais Lazzeri, 07/nov


Uma ONG gaúcha já preparou 3 mil mulheres para conseguir emprego na construção civil

Pintar as paredes de casa com rolos, pincéis e tintas próprias era a brincadeira favorita das gêmeas Betina e Bruna, então com 6 anos. Junto da mãe, a gaúcha Maria Beatriz Kern, elas davam nova cara para os cômodos da casa onde vivem até hoje, com a avó materna. Bia, como gosta de ser chamada, criava as filhas apenas com a ajuda da mãe. Ela ensinou as filhas a fazer pequenos reparos, como trocar lâmpada e resistência de chuveiro, para que não "dependessem de ninguém para ter o lar em ordem". As gêmeas não podiam prever que esse gosto da mãe pela construção civil deixaria de ser hobby para virar profissão. Nem que Bia mudaria a vida de mais de 3 mil mulheres no Rio Grande do Sul ensinando o que suas filhas aprenderam quando pequenas.



Por 20 anos, Bia trabalhou como coordenadora de eventos, em projetos para mulheres. Ela gostava do que fazia, era bem remunerada, mas não se sentia realizada. Aos 48 anos, com as filhas crescidas, decidiu arriscar. Vendeu um imóvel que tinha e usou a verba para criar em Porto Alegre uma ONG para ensinar mulheres de baixa renda a fazer pequenos reparos em casa. Bia não imaginava as dimensões que o projeto alcançaria. Em 2006, conseguiu parceria com três empresas para fazer um projeto-piloto. As 25 vagas disponíveis foram disputadas por 300 mulheres. Era o começo da ONG Mulheres em Construção. Em quatro anos, a entidade distribuiu 3 mil certificados para pedreira, azulejista e pintora predial, todos gratuitos, após um curso de três meses de duração. Além de vale-refeição e alimentação, cada aluna recebe auxílio de R$ 170 por semana e um capacete rosa.




Para a surpresa de Bia, muitas empresas começaram a procurá-la em busca de mão de obra qualificada. Em média, 60% das formandas recebem registro em carteira. "Minha ideia inicial era preparar as mulheres para cuidar de suas próprias casas", afirma. "Agora, o foco mudou." Hoje, Bia cuida da ONG como voluntária e ganha a vida prestando consultoria para empresas que querem montar treinamento em construção civil.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deste ano mostram que a quantidade de pedreiras mulheres no país subiu 119% nos últimos cinco anos. Em 2007, eram 109 mil. Em julho deste ano, já passavam de 239 mil. "Um dos motivos é que as mulheres são mais organizadas e reduzem o desperdício de material", afirma Bia.

Andréia da Rocha, de 36 anos, ainda nem começou o curso de pintura para o qual se inscreveu. Mas seu emprego já está garantido. Ela tem uma vaga reservada numa empresa para quando se formar. Andréia, que ganhava cerca de R$ 800 como balconista de farmácia, deverá receber o dobro no novo emprego. Ela quer colocar a filha mais nova, de 4 anos, numa creche particular e pagar um curso técnico para a mais velha, de 18 anos.


As histórias de muitas mulheres ajudadas pelo projeto lembram a da própria Bia: chefe de família, com filhos pequenos e dificuldades financeiras. "A gente vê a nossa vida recontada. É muito emocionante", afirma Betina, umas das gêmeas, hoje com 26 anos. A ex-dona de casa Alzira Nunes Teixeira, a Nina, de 52 anos, nunca trabalhara fora. Divorciou-se há quatro anos e ficou sozinha com dois filhos adolescentes. As paredes sem reboco de sua casa aumentavam sua angústia. Uma amiga contou dos cursos gratuitos oferecidos pela ONG. Em menos de um mês, Nina estava inscrita. Formou-se em pintura e como azulejista. Por um ano, fez parceria com um pedreiro para praticar mais o que aprendia em sala de aula. "A obra começou dentro de mim", diz. Ela terminou a casa em que morava e a alugou. Construiu uma segunda casa no mesmo terreno e trabalha como pintora. "Reconstruí minha casa e minha vida ao mesmo tempo", afirma.

Bia percebeu que não adiantava oferecer apenas cursos práticos. Aquelas mulheres precisavam de ajuda para reconstruir sua autoestima. Com a ajuda de psicólogos, advogados e outros profissionais, ela montou grupos temáticos sobre carreira, planejamento familiar e direito da mulher para orientar as alunas. "Não adianta dar preparo técnico, se elas não acreditam em si mesmas", diz.

Agora, a Mulheres em Construção, que funciona na casa de Bia, ganhará um novo lar. A prefeitura de Canoas, Rio Grande do Sul, doou um terreno para a construção da primeira escola de construção civil profissionalizante do país para mulheres. A estimativa é atender 100 alunas por dia. Cerca de 500 mulheres ajudarão a levantar o prédio. Bia quer que esse seja o embrião de outras escolas espalhadas pelo país.

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