quarta-feira, 10 de julho de 2013

Banho quente e caro


O Globo, Manuela Andreoni, 09/jul

No inverno, um banho quente não sai impune para a grande maioria dos brasileiros. Junto com o frio, a estação revela um vilão: o chuveiro elétrico. Presente em 72% dos lares Brasil afora, ele é responsável por 43% do consumo de energia em uma residência padrão (quatro pessoas), nesta época do ano, de acordo com o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel). Sem direito a um selo da instituição, diferente do restante dos eletrodomésticos, o chuveiro elétrico não deve ganhar eficiência no correr dos anos. Ou seja, ele vai consumir cada vez mais energia quando comparado a seus pares. Sua substituição, no entanto, é possível para alguns e promete contas de luz mais amigáveis e uma consciência ecológica em paz.

Invenção brasileira da década de 1930, o chuveiro elétrico é uma resposta simples para um questão complexa. Barato e fácil de instalar, ele vence, em custo inicial, trabalho e burocracia, suas principais alternativas: os aquecedores solares e a gás, que exigem investimento em equipamentos mais sofisticados ou infraestrutura. O produto é visto por alguns como uma temeridade: misturar água e eletricidade pode parecer bastante perigoso para quem não é daqui. Logo, este problema ecológico é coisa nossa.

Segundo estimativa do Procel, o chuveiro responde por 24% de todo o consumo residencial de energia no país durante o ano. Se consideramos que a energia gasta em residências brasileiras significa aproximadamente 26% de tudo o que é gasto no país, é possível dizer que o chuveiro come cerca de 6% (28 Twh) desse total. Para efeito de comparação, o montante equivale a um terço de tudo o que foi produzido no ano passado pela hidrelétrica Itaipu, a maior usina de geração de energia elétrica do mundo.

Contudo, o problema do chuveiro não é apenas a quantidade de energia consumida por ele, mas também seu horário de uso. Assim como outros eletrodomésticos, ele é usa-do em um "horário de ponta". Ou seja, normalmente é ligado por todos ao mesmo tempo, entre 18h e 2 lh. Neste momento, o sistema elétrico nacional fica sobrecarregado e as distribuidoras são obrigadas a comprar energia para satisfazer toda a demanda. No mercado, quem vende estes excedentes são as termelétricas. Sujas, elas deixam o valor do Kwh mais caro, o que pesa não só no bolso dos consumidores, como afeta o lucro das distribuidoras e as contas do governo.

- Se conseguíssemos reduzir esse equipamento de ponta, o valor do Kwh se reduziria e a necessidade de construir termelétricas também - explica a pesquisadora Claude Cohen, professora adjunta do Departamento de Economia da UFF e colaboradora do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.

Ineficiente toda vida

Não parece haver solução para a quantidade de energia consumida pelo chuveiro elétrico. O Procel sequer dá seu famoso selo a ele. Segundo nota divulgada por sua assessoria de imprensa, o programa avalia "critérios de desempenho energético" para diferenciar os chuveiros elétricos" dando o selo aos mais eficientes. Segundo Claude, porém, o equipamento é tão simples que é difícil encontrar uma forma de fazê-lo consumir menos.

Hoje, quando comparado ao ar-condicio-nado, ele perde em consumo de Kwh por ano, mas daqui a dez anos deve chegar ao primeiro lugar deste ranking nada louvável, com um consumo de 500 Kwh ao ano. Em dez anos, ar-condicionados mais modernos e econômicos consumirão 0,9% a menos de energia, e o chuveiro, não muito afeito a inovações, 0,4% a mais. Isso porque a população, com um poder de consumo maior, deverá optar por chuveiros cada vez mais potentes, e mais sedentos por energia. Ser ecologicamente correto custa conforto na hora do banho, mas o problema não é apenas de boa vontade.

- Falta a rede de gás para fornecer alternativas - explica Claude. - Não é só uma questão de conscientização.

Salvo exceções, para ter um chuveiro com aquecedor a gás é necessário que o encanamento chegue até você. Apenas 2,3 milhões, ou cerca de 3% dos domicílios brasileiros, têm acesso a esse serviço - sendo que mais da metade fica em São Paulo. Mesmo no Rio, proporcionalmente o estado mais bem servido no quesito, há pouco mais de 800 mil residências, em 64 municípios, atendidas pela CEG. Até 2016, a empresa espera expandir sua base de clientes para 1 milhão, construindo 900 quilômetros de novas redes.

Resta, então, o aquecimento solar. O equipamento é bem mais caro do que um chuveiro elétrico, mas normalmente o investimento volta em até quatro anos. Afinal, diferente do gás e da energia elétrica, o sol é gratuito.

Só mesmo em dias seguidos de chuva o aquecedor para de suprir a demanda, e é necessário voltar temporariamente a consumir energia elétrica ou gás para aquecimento.

Quem mora em casa pode adquirir seu aquecimento solar por um orçamento que vai de R$ 1,7 mil a R$ 6 mil, dependendo do tamanho do imóvel. Já os moradores de apartamentos dependem em grande parte das construtoras. Para que um prédio tenha aquecimento solar, são instalados coletores no terraço e a tubulação é construída de forma que a água quente gerada lá em cima chegue para todos os apartamentos. Se o edifício foi construído sem essa preocupação, é muito difícil, mas não impossível, instalar os aquecedores solares.

Por mais que a quantidade de residências com sistemas de aquecimento solar ainda seja pequena, há muitos aparelhos de fabricação brasileira - logo, não há a dificuldade, encontrada pelos painéis fotovoltaicos, para a importação de equipamentos. O empresário mineiro Carlos Felipe Cunha, o "Café", grande especialista do setor, calcula que haja cerca de 150 fábricas de aquecedores do tipo no Brasil.

Belo Horizonte e São Paulo já estão bem avançados na implantação dos coletores solares para este fim. A capital paulista ganhou uma lei em 2008 que obriga todos os novos" prédios a terem o equipamento. Já em Minas Gerais, onde não há gás encanado, os belo-horizontinos exigem o sistema, de acordo com Cunha. Por isso, um construtor que aspira ao sucesso nas vendas fica na obrigação de implantar o aquecedor solar. Cunha ajudou a escrever a lei de São Paulo e tentou fazer o mesmo no Rio. Mas ele conta que o projeto "não foi adiante".

- Tem essa pressão de setor de construção civil - lamenta. - Em São Paulo, havia vontade política e isso foi superado.

Presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário no Rio (Ademi), João Paulo Matos não vê má vontade, mas sim falta de espaço. Segundo ele, é mais rentável para o construtor vender uma cobertura do que disponibilizar espaço para os coletores solares:

- Na cobertura, a área (na superfície da parte construída) é muito pequena, tem uns 50 metros quadrados. E sempre tem que ter espaço para por a caixa-d'água e as antenas.

Diretor de Engenharia da Scon Construção, Leandro Ceotto discorda. Tanto que trabalha, em parceria com a GEP, no empreendimento Reserva Natural Residencial, em Niterói, onde há cobertura e sistema de aquecimento solar. Segundo ele, o custo para quem compra os apartamentos fica em R$ 2 mil, ou pouco mais de 1% do valor de compra dos imóveis mais baratos. Ceotto explica que, como os equipamentos vêm ganhando eficiência, ocupam áreas cada vez menores.

- Poucas empresas usam este tipo de solução, pois em alguns casos o custo ainda é representativo. Seria muito interessante se o governo oferecesse algum tipo de incentivo - opina o diretor.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia informou que não há um programa nacional para o setor, mas várias políticas, como isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados para os aparelhos de aquecimento solar. Segundo especialistas, a iniciativa mais importante do governo federal sobre o tema é a implantação do sistema em empreendimentos do Minha Casa Minha Vida. Segundo relatório da Caixa Econômica de 2012, há mais de 100 mil unidades contratadas que receberão o equipamento. A economia é de cerca de 30% por ano na conta de luz, em média R$ 190. Segundo Cunha, há casos de famílias que economizam R$ 50 por mês.

Hoje ainda há um importante número de brasileiros, cerca de 18%, sem nenhum meio de esquentar a água do banho. É possível que, à medida que mais pessoas troquem seus chuveiros elétricos por outras opções menos custosas, outro grupo compre o equipamento pela primeira vez. As previsões da EPE dizem que, nos próximos dez anos, o uso do equipamento deve cair apenas dois pontos percentuais, para 70% de penetração nos domicílios brasileiros - em ritmo mais lento que o congelador, um vilão deixado para trás desde a época do racionamento. Para isso, considera a expansão da rede de gás canalizado e uma maior penetração no mercado de sistemas de aquecimento solar.

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